Resiliência é o caralho

 


Quebre o mito de que é preciso aceitar tudo e descubra sua força

O livro foi vendido como um livro feito para quem gostou de "A sutil arte de ligar o foda-se", ou seja, uma autoajuda recheada de humor, com tom fanfarrão que iria mostrar que não é preciso engolir sapos e ser resiliente porra nenhuma. Porém, esse livro está bem longe disso...

Na verdade, ele é um livro mais voltado aos profissionais de psicologia do que para o público leigo. E de fato, eu tive que exercitar a minha resiliência para finalizar esta leitura.

O autor começa analisando os casos dos superatletas, aqueles atletas de precisaram desenvolver uma super resiliência para lidar com a pressão, as frustrações e os percalços que uma competição de alto nível envolve e todo o preparo para chegar ao topo sem desistir.

Ele informa que o que esses atletas tem em comum é o fato de terem tido uma infância de merda, que os colocou numa situação de tudo ou nada. Já que suas vidas eram uma bosta, a ÚNICA coisa que eles podiam controlar era o esporte, e com isso eles se tornaram obcecados em atingir aquele objetivo. Era tudo ou nada.

Atletas Superelite, por outro lado, sentiam que, se não tivessem êxito em um campo em que demonstravam um verdadeiro talento, então não teriam nada. A exposição à adversidade traumática os havia transformado. Isso havia criado um vazio que eles usavam para justificar um perfeccionismo implacável, que provavelmente nunca seria satisfeito.


Só que o fato de serem atletas não faz deles pessoas saudáveis. Ao contrário, para conseguirem esse objetivo, eles são capazes de fuder a própria saúde com treinos insanos e a resiliência literalmente te mata aos poucos. Engolir sapos com um sorriso no rosto, faz com que o seu corpo viva em constante estresse que mata os seus neurônios, libera toxinas no seu organismo que destroem as suas células, provocando câncer e transtornos mentais.

Se o estresse crônico persiste, pode causar aumentos prolongados dos níveis de inflamação, o que por sua vez está ligado à queda na imunidade contra infecções. Pesquisadores observam que maiores cargas alostáticas e inflamações podem criar um desgaste corporal, tornando as pessoas mais suscetíveis a doenças que variam de doenças cardiovasculares a declínio cognitivo.


Depois o autor passa para a geração floco de neve, que é como a geração Z vem sendo apelidada por demonstrar menos resiliência as adversidades do que as gerações passadas, principalmente as que lidaram com o pós Segunda Guerra.

"Parece haver uma crença difundida de que, além de termos testemunhado uma erosão da força interior que caracterizava nossos ancestrais, agora estamos testemunhando a geração floco de neve, uma cria enfraquecida de jovens menos equipados para as lutas da vida do que qualquer jovem do passado. Nós nos contrapomos exigindo que eles mostrem mais força interior. Não sentimos empatia por eles."


E ai ele aborda a questão de como a sociedade vem culpabilizando as vítimas ao dizer que você precisa ser mais resiliente, mas te joga em ambientes muito mais estressantes do que os ambientes dos nossos avós. E diz que se você está com a saúde mental ruim, a culpa é sua que não se cuida. E não o seu chefe que é babaca, a sua empresa que exige que você seja produtivo como um escravo e tal.

Nota da resenhista:

Nossos avós lidavam com uma guerra mundial, com preços subindo e descendo devido a inflação, e uma possível guerra nuclear. O que mudou é que hoje temos mais violência ao nosso redor e não em outro continente, mas a pressão econômica é a mesma. Porém, o que fudeu com essa nova geração é a pressão da tecnologia e redes sociais, literalmente a comparação com a grama do vizinho, mas ok. Vamos seguir...

Depois passamos para como a resiliência se tornou um produto, tendo vários livros, cursos e coachs ganhando a vida lhe ensinando a ser mais resiliente. E como o mercado de trabalho está cada vez minando mais a autonomia dos profissionais, tratando-os como crianças, e que isso vai na mesma direção da questão do controle dos super atletas: se você não tem controle sobre o seu trabalho, tudo precisa de micro gerenciamento, isso lhe causa um estresse constante e vai te matar no longo prazo. Literalmente. 

"Sim, a resiliência se tornou um produto” (depois, me direcionou para a ferramenta on-line da própria empresa dele, cujo nome tem marca registrada). Você pode se inscrever em cursos e esquemas que “consertarão” os trabalhadores (com a implicação de que, se eles não terminarem “consertados”, você estará no seu direito de considerá-los “defeituosos”). Se você está na faculdade, poderá cursar um módulo de resiliência. Se está no Exército, vão lhe oferecer mecanismos de superação que lançam mão do ensino da resiliência. Você pode comprar um dos muitos best-sellers que lhe permitem fazer isso por si mesmo. É claro que a ironia está no fato de que vivemos em um mundo que é ao mesmo tempo inundado de programas de resiliência e convencido de que nós todos estamos nos tornando menos resilientes."

E chegamos no mundo corporativo, onde a resiliência se mostrou a palavra do momento nos currículos, bem ao lado do maldito senso de dono e mentalidade de crescimento. No mundo corporativo, ser resiliente virou sinônimo de determinação, e a determinação diante dos contratempos é que distingue os que têm sucesso dos que ficam para trás. 

Ou seja: Mais uma vez você terá sucesso na sua vida se for resiliente e não por uma conjunção de fatores, como sorte e estar no momento certo e na hora certa para aquela vaga que tanto almeja. O que lhe faltou foi garra. Não importa que você viva no fim do mundo, acorde todos os dias 5h da manhã, pegue um busão lotado, trabalhe o dia todo e ainda tenha que ir pra faculdade de noite. Todos somos iguais e temos as mesmas chances, seu problema é que você não é resiliente. 

"A ênfase na garra é uma forma de ‘culpar a vítima’— em vez de abordar questões mais amplas de justiça social, econômica e racial: se as crianças mais desfavorecidas tivessem ao menos ‘um pouco mais de garra’, elas poderiam se dar bem na vida.”

Tudo depende de você, se mate de trabalhar por uma empresa qualquer e engula sapos para alavancar a sua carreira. Mais um vez culpabilizamos a vítima e não o RH que não tem plano de cargos e salários. 

Muitas empresas, inclusive, levam em consideração a resiliência na hora da contratação. 

E se você alguma vez ouviu que o pessoal que está no topo da pirâmide sofre muita pressão e por isso eles são mais propensos a depressão, isso é mentira. O topo tá muito bem, e o pobre (como sempre) tá se fundendo, tendo níveis muito mais altos de estresse. Então, esse discurso de que todos temos que ser resilientes, na verdade é só mais um forma de controlar os pobres no melhor estilo da política de pão e circo. 

"Muitas vezes presumimos que são aqueles em cargos de alto status que experimentam mais estresse e os vários males que o acompanham. Na verdade, descobertas e mais descobertas de pesquisas mostram exatamente o contrário."
"A noção desgastada de que “é difícil no topo” é falsa: “Não, a chave para a síndrome do status está no cérebro. É o estresse decorrente da incapacidade de controlar nossa vida, de recorrer aos outros quando perdemos o controle ou de participar plenamente de tudo o que a sociedade tem a oferecer. O mito de que é mais estressante estar no topo da pilha do que no fundo deveria há muito tempo ter dado lugar aos fatos."

Esse é o resumo do livro, retirando todas as 50 mil partes que o autor explica quais foram os testes, os estudos das universidades com nomes elegantes e os resultados. É assim que o livro deveria ser para um leigo entender, mas tem tanta info de pesquisas e mais pesquisas, que eu sugiro esse livro para profissionais de psicologia, psiquiatria e afins. 

Para você entender que a resiliência está literalmente te matando, bastou ler esse resumo aqui.

"Parece que passamos de uma discussão sobre o estresse e como lidar com ele, que veio à tona nos primeiros anos deste século, para a crença de que “o verdadeiro problema aqui é que as pessoas simplesmente não são resilientes o suficiente”. Isso, por sua vez, desencadeou a noção de que existem pessoas por aí que podem, como diz Haslam, ser “consertadas com alguma intervenção útil, como um pouco de reestruturação cognitiva ou alguma ajuda com o enquadramento de reavaliação”, ou ouvir “vá fazer uma massagem” se essas técnicas não funcionarem. 101 Nesse sentido, a Ortodoxia da Resiliência tornou-se uma distração dos problemas mentais muito reais que confrontam as pessoas todos os dias."

ADQUIRA O LIVRO 

0 comments